quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Sessão 25 - 23/04/2053

23/04/2053

Chuva forte se abatia sobre o carro que seguia pela rodovia deserta, sob o final de tarde de Puyallup. No banco de trás, Patinete armava doze quilos de explosivos, divididos em cinco cargas: quatro para o prédio principal, uma para o gerador das obras da Shiawaze/Ares. Mas para aquela improvável corrida – a primeira onde os cinco decidiam trair o contratante em nome de princípios ou por motivos de força maior – as surpresas não tardavam a aparecer. A vários quilômetros de distância já se podia ouvir o tamanho da comoção que Perninha havia conseguido conglomerar na frente da entrada da obra.
Uma dezena e meia de guardas da Ares, pesadamente armados, ouviam atrás do muro os gritos de ordem da multidão e a performance de raps contestatórios vindos do lado de fora. Ali, centenas de meta-humanos e simpatizantes se reuniam em um barulhento e chamativo protesto que trazia para si não só os olhos das forças de segurança, mas também dos vários veículos de comunicação que faziam cobertura ao vivo. Não intimidados pela chuva e pelo frio, os manifestantes traziam para si toda a atenção do cenário.




                                     Ork Fazendo rap de protesto
 

Essa premeditada e nada acidental conjuntura era favorável ao carro de faróis desligados que se aproximou pelo deserto e estacionou sorrateiramente aos fundos da obra. Munidos de cabos de escalada, cinco runners pularam o enorme muro, caíram entre alguns carros estacionados e imediatamente abateram dois guardas desatentos. Chegava, pois, a hora do grupo se separar. De um lado, Ares e Patinete seguiram para esconder os corpos e subir nas janelas do enorme prédio central, em construção. A infiltração não foi difícil, em minutos os dois corriam pelas sombras do saguão principal com os explosivos em mãos. Infelizmente, Ares acabou trombando com um grupo de construtores acossados em uma parte da construção. Sem pensar, o runner abriu fogo e abateu duas das três testemunhas, espantando as demais.




                                                  Pátio Externo

Do outro lado do plano, Vesgo e Meia Roda seguiram contornando o prédio rumo à sala do gerador. Próximos de serem avistados pelos guardas, mas logrando chegar ao destino sorrateiramente, os dois entraram em contato com Zero a fim de conseguir acesso ao interior da sala, mas o decker sumiu repentinamente do radar. Sem opções, os dois runners armaram a bomba na porta da sala e iam se afastando quando Meia Roda tropeçou em uma lata de lixo e foi imediatamente rastreada e capturada pelos guardas. Escondido, Vesgo recebeu os dois companheiros que terminavam de armar as outras quatro bombas e lhes atualizou para com os novos parâmetros da missão: seguir os guardas, libertar Meia Roda e fugir com Zero no caminhão.

                                Galpão interno

A musica alta e os gritos, mais o som da chuva, tornavam favorável aos três percorrerem o pátio frontal do perímetro sem chamar atenção dos guardas. O rastro dos captores que carregavam Meia Roda levou os runners a um grande depósito onde jazia o caminhão do grupo. Considerando ser necessário conversar com Zero, Vesgo abriu a porta do veículo apenas para ver o companheiro caído sob os pés de um punk aleatório – quem já puxava a pistola e abria fogo. Simultaneamente, um grupo de guardas surgia no mezanino acima do ambiente e abria fogo contra os três.




                                              Assassino do Zero

O tiroteio começou intenso, mas os runners foram lentamente ganhando vantagem sobre os atacantes. Já com o celular na mão, tentando contatar Perninha, Vesgo segurou a ligação ao notar o Sr. Yusa surgindo no mezanino com Meia-Roda rendida por um revólver na nuca. Ele chamava o antigo parceiro de negócios para negociarem a vida da fusora numa sala junto com os Executivos das corporações ali envolvidas. Para surpresa de todos, Patinete rasgou o ar com um milagroso disparo que abriu a testa do Sr. Yusa e libertou Meia Roda, ilesa. Os runners correram para o caminhão, mas Ares decidiu se arriscar para conseguir uma última peça do quebra-cabeças: ao arrancar o anel do cadáver do Sr. Yusa, ele fotografou a fisionomia de um orc que se revelava disfarçado de mafioso japonês.
Guardas corriam na direção do depósito quando a parede frontal do mesmo veio abaixo. Ensandecida, Meia Roda manobrou o poderoso veículo entre os atacantes e, considerando ser perigoso para os manifestantes arrebentar o porão, decidiu sair por um muro lateral. Levando as capacidades do veículo ao limite, a fusora conseguiu atravessar concreto maciço e sair acelerando pelo deserto, enquanto Patinete recebia o sinal de Perninha pelo rádio e apertava o botão. Imediatamente, a noite virou dia e uma bola de fogo emergiu dos muros da construção, levando tudo para o alto.
Sem tempo para comemorar ou mesmo para velar o parceiro caído dentro do carro. Meia Roda precisou agir depressa para arquitetar uma fuga das onze viaturas que se colocaram no encalço do caminhão. Graças aos esforços de Ares, Patinete e Vesgo, quem se coordenaram para metralhar viaturas que se aproximassem muito, a fusora logrou despistar os perseguidores e estacionar em um beco por alguns minutos. Perdendo as viaturas, mas sendo caçada por helicópteros nos céus, ela valeu-se grandemente da audição aprimorada de Ares para conseguir guiar por ruas e becos sem ser pega pela varredura aérea que a Lone Star empreendia.
A chegada ao estacionamento da base não foi seguida de nenhuma comemoração. Abatidos, os quatro runners levaram o corpo de Zero para a enfermaria e lhe deitaram sobre uma maca. O tiro na testa ainda sangrava, e seus olhos ainda estavam abertos quando Vesgo lhes fechou e formalizou uma despedida, em forma de oração, para com o companheiro caído. Da porta, bastante ferido, mas claramente abatido, Jagunço apenas olhou a cena de relance e se retirou para seus aposentos.
Não havia, de fato, espaço para descanso a nenhum dos cinco. Ao elfo de Tir, ainda ardia as veias com a radiação corrosiva e ainda lhe latejava a alma o desejo de vingar o assassinato de Helena, sua ex-esposa pega no fogo cruzado entre ele e Roleta. Para Meia-Roda, o mistério de Yuri parecia morrer junto com o Sr. Yusa – parecia, ao menos, já que Ares poderia estar em posse de uma informação que mudaria toda a história, para bem ou para mal. De seu lado, Vesgo ainda se debatia com os avisos de Madalena: “os Gianelli já estão dando os primeiros passos na busca da represália contra ti e teu grupo. Nós temos que dar um ponto final nisso.” Por fim, retalhado no estado desumano em que foi deixado por seu antigo mentor, Jagunço ainda precisava se decidir para com o que fazer assim que seu corpo cessar de lhe cobrar o preço mortal da dor agonizante e se recuperar: como reparar o mal que Ymir lhe causou e qual caminho trilhar a partir daqui?
Muitos dilemas, muitos caminhos, pouco tempo para pensar. Pois não importa quantas pontas soltas o cinco individualmente tenham com que se preocupar, as ações do grupo como um tudo contra a Ares e a Shiawaze não ficarão sem represália. À chuva que se abate sobre Seattle, revestem-se sinais de tempestade. Longa e duradoura tempestade.